CONCEITO
A responsabilidade civil é definida como a situação
de quem sofre as consequências da violação de uma norma, ou como obrigação que
incumbe a alguém de reparar o prejuízo causado a outrem, pela sua atuação ou em
virtude de danos provocados por pessoas ou coisas dele dependentes.
Segundo Orlando Gomes, ato ilícito (art.
186, CC) é o ato praticado em desacordo com a ordem jurídica, violando o
direito. Causando prejuízos a outrem, cria o dever de reparar o
dano (moral ou patrimonial), por isso é fonte de obrigação.
No dizer de Pablo Stolze Gagliano “Se uma
pessoa, dolosa ou culposamente, causar prejuízo a outrem, fica obrigada a
reparar o dano. Ou seja, se Tício, dirigindo imprudentemente, atinge o veículo
de Cáio, o interesse jurídico patrimonial deste último restou violado, por
força do ato ilícito cometido pelo primeiro, que deverá indenizá-lo espontânea
ou coercitivamente (pela via judicial)”.
O ato ilícito é considerado como fato jurídico (em
sentido amplo), produzindo efeitos jurídicos. Esses efeitos não são desejados
pelo agente, mas impostos pela lei (por isso são chamados de
involuntários). Há infração de um dever e imputação de um resultado.
O ato ilícito pode ser: civil, penal ou
administrativo. Vamos nos ater ao ato ilícito civil.
Há casos em que a conduta ofende à sociedade
(ilícito penal) e ao particular (ilícito civil), acarretando dupla
responsabilidade (ex.: lesões corporais – o fato é típico, está
descrito no Código Penal, logo é um ilícito penal; causando danos à vítima; o
agente é obrigado a reparar esses danos na esfera civil). A
responsabilidade penal é pessoal e intransferível; a civil é patrimonial e em
algumas hipóteses pode ser transferida, conforme veremos. Às vezes a
responsabilidade pode ser tripla (abrangendo, também a esfera administrativa –
ex.: o peculato além de ser descrito como crime, é uma infração
administrativa e gera a obrigação civil de reparação de danos; da mesma forma a
lesão ao Bem Ambiental).
CONSIDERAÇÕES
· Ato
ilícito é a conduta humana que fere direitos subjetivos privados; está em
desacordo com a ordem jurídica, violando um direito subjetivo individual.
· A
consequência do ato ilícito é a obrigação de indenizar (art.
927, CC).
· Ato
ilícito é um fato jurídico, mas não é um ato jurídico.
HISTÓRIA
Primitivamente vigorava a pena de talião (“olho
por olho, dente por dente” ou também “quem com ferro fere, com ferro será
ferido”), segundo a qual os danos a terceiros eram retribuídos na mesma
qualidade e quantidade pela própria ofendida. Era a tese do “mal pelo mal”.
Prevalecia a vingança privada. É claro que em vez de se compensar um dano,
causava-se outro, tornando dupla a lesão.
Posteriormente a Lei Aquilia introduziu
a reparação pecuniária, que evoluiu e, ao final, passou para as mãos do Estado
o poder de determinar a indenização.
Apesar de toda a evolução, ainda permanece viva a
idéia de culpa nos atos ilícitos, de modo que haverá indenização se houver
culpa do agente.
RESPONSABILIDADE CIVIL
A responsabilidade civil surge em face do
descumprimento obrigacional, pela desobediência de uma regra estabelecida em um
contrato, ou por deixar, determinada pessoa, de observar um preceito normativo
que regula a vida. Segundo Maria Helena Diniz, in Curso de
Direito Civil Brasileiro, Vol. VII, Responsabilidade Civil. São
Paulo, Saraiva, a responsabilidade civil é “a aplicação de medidas que obriguem
alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato
próprio imputado, de pessoas por quem ele responde, ou de fato de coisa ou
animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva) ou, ainda, de simples
imposição legal (responsabilidade objetiva)”.
A responsabilidade civil contratual está
situada no âmbito da inexecução obrigacional. Como se sabe, as cláusulas
contratuais devem ser respeitadas, sob pena de responsabilidade do que as
descumprir. O contrato traz em seu conteúdo uma obrigação assumida, podendo o
seu descumprimento gerar perdas e danos. Os fundamentos jurídicos principais
dessa modalidade de responsabilidade civil estão no artigo 389 do Código Civil,
quando a obrigação assumida por positiva; e no artigo 390 do Código Civil,
quando se tem uma obrigação negativa.
Já a responsabilidade civil extracontratual
ou aquiliana relaciona-se ao desrespeito ao direito alheio e às normas
que regem a conduta, representando qualquer inobservância de um preceito legal.
A responsabilidade extracontratual é também conhecida por responsabilidade
aquiliana, tendo em vista que a Lex Aquilia de Danno cuidou de
estabelecer, no Direito Romano, as bases jurídicas dessa espécie de
responsabilidade civil. Seu fundamento jurídico encontra-se no artigo 186 do
Código Civil.
FUNÇÕES DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Em face das necessidades decorrentes dos novos
tempos, que exigem respostas mais eficientes e condizentes com o senso de
justiça e com a segurança das pessoas, a responsabilidade civil deve, além de
permitir o ressarcimento e compensação da vítima pelo dano injusto, garantir
uma punição do comportamento antijurídico, e, ainda, garantir reeducação da
conduta do ofensor, justamente para prevenir da ocorrência de novas lesões.
A lei, assim, possui um sentido quádruplo:
ressarcir, compensar, punir e educar. Dessa forma, hoje é possível visualizar
quatro funções no instituto da reparação civil: ressarcitória do dano;
compensatória da lesão; punitiva do ofensor; e desmotivacional ou reeducativa
da conduta lesiva.
A função ressarcitória tem como objetivo garantir o
direito do lesado à segurança dos bens que compõem seu patrimônio pessoal, por
meio de uma reconstituição do modo mais exato possível do valor do prejuízo no
momento da ocorrência do dano.
A função compensatória visa equilibrar o que o prejuízo
desequilibrou. Nem sempre é possível ressarcir os danos sofridos pela vítima,
por isso o ordenamento reconhece o direito do lesado de receber uma
compensação, pecuniária ou não, cuja contrapartida é a redução do patrimônio do
devedor, causador do dano ou responsável por ele.
A função punitiva, também chamada de punitive
damages por parte da doutrina, tem uma dupla finalidade. A primeira
garante uma modificação e conscientização do comportamento danoso do ofensor
por meio da atribuição de uma sanção, consistindo esta na diminuição de seu
patrimônio material. A segunda gera uma projeção social da indenização, ou
seja, que a conduta do ofensor sirva de exemplo para outros.
O Código Civil, em nenhuma de suas numerosas
disposições sobre a responsabilidade civil, contemplou essa função. Do Código
de Defesa do Consumidor, ela foi excluída pelo voto presidencial (art. 16).
Contudo, a função punitiva, aos poucos, recebe adeptos tanto na doutrina como
na jurisprudência, e a tendência atual permanece sendo no sentido de aumentar o
valor das indenizações a esse título.
A função sociopreventiva representa o esforço do
legislador no sentido de evitar, de prevenir, a infração. Trata-se de uma forma
mais suave que a pena no sentido lato, e justamente por isso seu emprego
apresenta-se de modo vantajoso.
A última década do século XX e o início do século
XXI mostraram, justamente com o avanço dos critérios objetivos, o
desenvolvimento de estruturas modernas de prevenção de risco, por meio da
constituição de entidades e órgãos, a exemplo do Procon e das agências
reguladoras. Mediante o exercício do poder de polícia, com a fiscalização e
imposição de limitações administrativas, elas garantem a prevenção de danos das
mais variadas espécies.
ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL
A caracterização da responsabilidade civil exige a
configuração de uma série de elementos constitutivos. Sob um prisma normativo
eles podem ser vistos como os componentes do suporte abstrato do dever de
reparar, sem os quais não é possível cogitar da exigibilidade das normas que
compõem o sistema de proteção do ordenamento civil.
São elementos estruturais da responsabilidade
civil:
a) Ação
ou omissão do agente: a responsabilidade pode derivar de ato próprio,
de ato de terceiro que esteja sob a guarda do agente e, ainda, de danos
causados por coisas e animais que lhe pertençam.
A responsabilidade por ato de terceiro é hipótese
de responsabilidade solidária (art. 942, CC). Assim, ocorre a solidariedade não
só no caso de concorrer uma pluralidade de agentes, como também entre as
pessoas designadas no art. 932, CC.
Com o art. 942, do CC, o direito positivo
brasileiro instituiu um “nexo causal plúrimo”. Em havendo mais de um agente
causador do dano, não se perquire qual deles deve ser considerado responsável
direto ou principal. Beneficiando-se, mais uma vez, a vítima, permite-lhe eleger,
dentre os co-responsáveis, aquele de maior resistência econômica, para suportar
o encargo ressarcitório.
A responsabilidade por danos causados por animais e
coisas que estejam sob a guarda do agente, é em regra, objetiva (expressa
disposição do art.936: independe da prova da culpa). Isto se deve ao aumento do
número de acidentes e de vítimas, que não devem ficar irressarcidas. Como
excludente de responsabilidade, o agente deve provar que o dano foi causado por
culpa exclusiva da vítima ou em razão de força maior.
b) Culpa
ou dolo do agente: a obrigação de indenizar não existe, em regra, só
porque o agente causador do dano procedeu objetivamente mal. É essencial que
ele tenha agido com culpa. Agir com culpa significa atuar o agente em termos de,
pessoalmente merecer censura ou reprovação do direito (primeira parte do art.
927, CC).
O critério para aferição da diligência exigível do
agente e, portanto, para a caracterização de culpa, é o da comparação de seu
comportamento com o do homo medius, do homem ideal, que
diligentemente prevê o mal e precavidamente evita o perigo.
Com relação aos graus, a culpa pode ser grave, leve
e levíssima. O Código Civil, entretanto, não faz nenhuma distinção entre dolo e
culpa, nem entre os graus da culpa, para fins de reparação do dano. Assim,
provado o dano, deve ser ele ressarcido integralmente pelo seu causador, tenha
agido com dolo, culpa grave ou mesmo levíssima.
c) Relação
de causalidade: é a relação de causa e efeito entre a ação ou omissão
do agente e o dano verificado. Vem expresso no verbo “causar”, utilizado no
art. 186, CC. As principais teorias sobre a relação de causalidade são:
1) Teoria
de equivalência das condições: toda e qualquer circunstância que haja
concorrido para produzir o dano é considerada uma causa. A sua equivalência
resulta de que, suprimida uma delas, o dano não se verifica. O ato do autor do
dano era condição sine qua non para que o dano se verificasse.
2) Teoria
da causalidade: somente considera como causadora do dano a condição por si
só apta a produzi-lo. Se existiu, no caso em apreciação, dano somente por força
de uma circunstância acidental, diz-se que a causa não era adequada.
d) Dano: sem
a prova do dano, ninguém pode ser responsabilizado civilmente. O dano,
etimologicamente, significa tirar, apoucar, diminuir. A doutrina e a
jurisprudência praticamente se mostram unânimes em declarar que não é possível
cogitar de responsabilidade civil sem sua ocorrência. Uma única exceção
prevista no nosso ordenamento permite que se tenha responsabilidade civil sem
dano. Trata-se da hipótese prevista no art. 416 do Código Civil.
Dano consiste no prejuízo sofrido pelo agente. Pode
ser individual ou coletivo, moral ou material, ou melhor, patrimonial ou
extrapatrimonial. Do ponto de vista físico, o dano significa o aniquilamento ou
a alteração de uma condição favorável de um indivíduo ou grupo em um
determinado espaço-tempo. Do ponto de vista jurídico, o dano se verifica em
razão da inobservância de uma norma, a qual, para conceder um efeito favorável
ao prejudicado, estabelece um determinado comportamento.
São requisitos do dano indenizável:
a) violação
de um interesse jurídico protegido;
b) certeza;
c) subsistência;
d) imediatidade.
Parte da doutrina entende, ainda, que a
configuração do dano indenizável depende da legitimidade processual ativa da
vítima.
Entre as diversas classificações do dano, a mais
expressiva na doutrina é aquela que distingue os danos entre patrimoniais
(materiais) e extrapatrimoniais (morais).
O dano patrimonial, também chamado de dano
material, traduz um efeito economicamente apreciável dos bens e direitos do seu
titular. O dano patrimonial se verifica pela diferença entre o valor atual do
patrimônio da vítima e aquele que teria, no mesmo momento, se não houvesse a
lesão. Ele pode ser presente (emergente) ou futuro (lucro cessante). O primeiro
consiste em um déficit real e efetivo no patrimônio do lesado, isto é, uma
concreta diminuição, um prejuízo real. Já o segundo é alusivo à privação de um
ganho pela vítima, ou seja, bens ou valores que ele deixou de auferir, em razão
do prejuízo que lhe foi causado.
O dano extrapatrimonial pode ser conceituado como
violação do direito à dignidade. Nessa nova perspectiva, o dano
extrapatrimonial não está necessariamente vinculado a alguma reação psíquica da
vítima.
Os danos extrapatrimoniais englobam outros aspectos
da pessoa humana que não estão diretamente vinculados à sua dignidade. Nessa
categoria, incluem-se os chamados novos direitos da personalidade: a imagem, o
bom nome, direitos autorais, relações afetivas, etc.
O dano extrapatrimonial existe in re ipsa,
ou seja, deriva do próprio fato ofensivo. Por isso, provada a ofensa, já
estará, também, demonstrada a prova do dano extrapatrimonial. Trata-se de uma
presunção hominis ou facti.
Hoje já se discute também a possibilidade de danos de
probabilidade, traduzidos pela doutrina como teoria da perda da chance. A
chance representa uma expectativa necessariamente hipotética, materializada
naquilo que s3 pode chamar de ganho final ou dano final, conforme o sucesso do
processo aleatório. As chances que permitem a caracterização dessa espécie de
dano devem ser sérias e reais.
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